Poemas do livro Éter 📕
Se Clarice Lispector escrevesse poesia, seria algo como os versos de Sandra Santos. Numa e noutra, o olhar atento e terno contornado por sombrias nuvens de inquietude. Dona de uma poderosa pulsão interior (“difícil sossegar o fogo”), a poeta portuguesa transforma amor e morte em cinzas que logo se reincorporam à correnteza da vida/poema, deixando no caminho um rastro de beleza. No viço da juventude, Sandra Santos é uma grata surpresa para os que amam verdadeiramente a poesia.
– Claufe Rodrigues, na contracapa do livro Éter (Brasil, 2018)
aceita que és só morada
de algo que muda e forja
e range e rasga
aceita que és miríade
de algo que dói e cala
e rumoreja e abala.
um pedaço recrudescendo
num todo de tudo.
acepta que sólo eres morada
de algo que cambia y moldea
y cruje y rasga
acepta que eres miríada
de algo que duele y calla
y balbucea y escapa.
acepta que eres sólo
un pedazo recrudeciendo
en un todo de todo.
*
não procures em vão enigmas
porque ninguém é quem diz ser
as noites são só povoações
recônditas de ti mesmo.
com duas crisálidas na boca
e não é isso a madrugada:
duas borboletas retidas à solta?
no busques en vano enigmas
porque nadie es quien dice ser
las noches son sólo poblaciones
recónditas de ti mismo.
con dos crisálidas en la boca
¿y no es eso la madrugada:
dos mariposas atrapadas en libertad?
*
há uma ventania sacudindo os cabelos aos mortos
[nunca a revoada fez tantos nós
no teu coração]
há uma verdade assentando completa e vigente
na noite que ninguém teme
só o penitente agarrado à cama com febre
[haverá dor maior que a física, a de um vivo
achando-se morto?]
por vezes o teu regresso à doença
é a tua dívida para com a aliança
e é sufocando que atinges o fosso
— o firmamento.
hay un vendaval sacudiendo los cabellos de los muertos
[nunca tal revuelo hizo tantos nudos
en tu corazón]
una verdad se mantiene completa y vigente
en la noche que nadie teme
sólo el penitente agarrado a la cama con fiebre
[¿hay mayor dolor que el físico, el de un vivo
creyéndose muerto?]
a veces tu regreso a la dolencia
es tu deuda con la alianza
y así alcanzas el foso
— el firmamento.
aquele que amo
despediu-se de mim
e desde então já não me vejo igual
tudo me parece superfície e assombração,
no amor como na morte
há algo que se move e perde
mas é apenas um corpo que se afasta
uma memória ganhará lugar
até que eu seja cinza e nada
até que o amor resista contra o tempo
até que eu seja uma história ecoada pelo último homem.
aquel que amo
se despidió de mí
y desde entonces no me veo igual
todo me parece superficie y espanto,
en el amor como en la muerte
hay algo que se mueve y se pierde
pero es sólo un cuerpo que se aleja
una memoria ganará su lugar
hasta que yo sea ceniza y nada
hasta que el amor resista contra el tiempo
hasta que yo sea una historia repetida por el último hombre.
*
quando os amantes se tocam
já nada permanece igual
nem quando regressam à rua ao trabalho à vida
o ar é apenas um intervalo do sonho
tocado pelo linho do seu entrançado sorriso
e há uma mulher divagando na corrente de lume
que atiça o homem, prudente e delicado,
sobre o mosaico de outros seres amados
e a mulher destrinça e resvala e abarca
o amor do mundo naquele homem
que agora se juntou a ela
cuando los amantes se tocan
ya nada permanece igual
ni cuando regresan a la calle, al trabajo, a la vida
el aire es apenas un intervalo del sueño
tocado por el lino de su trenzada sonrisa
y hay una mujer vagando en la corriente de fuego
que el hombre atiza, prudente y delicado,
sobre el mosaico de otros seres amados
y la mujer destrenza y resbala y abarca
el amor del mundo en aquel hombre
que se ha acercado a ella
*
ir para junto
das ervas e das flores
cantar muda
que eu não sou de amores.
acercarme
a la hierba y las flores
cantar muda
que yo no soy de amores.
*
se eu fosse um punhal
deixaria cair
a lâmina
todos os dias
na erva molhada
até ela regressar
em flor.
si yo fuese un puñal
dejaría caer
la hoja
todos los días
en la hierba mojada
hasta que regresara
hecha flor.
*
e quem investe na viagem
não sabe o quanto padece a palmeira
quando lhe cessa o vento
não sabe e recusa saber
que a morte instala no medo
calcificando a mulher à sua sorte
e ninguém ousa sequer indagar
se prefere ser eterna
ou simplesmente passageira.
y quien invierte en el viaje
no sabe cuánto padece la palmera
cuándo se le acaba el viento
no sabe y rechaza saber
que la muerte se instala en el miedo
calcificando la mujer a su suerte
y nadie se atreve siquiera a preguntar
si prefiere ser eterna
o simplemente pasajera.
Alguns poemas do livro "Éter", que foi
publicado no Brasil e no México (em edição bilingue
português-espanhol) no ano de 2018. As traduções para o espanhol são de
Pedro Sánchez Sanz.
Para descarregar gratuitamente os livros em PDF, clicar abaixo: