Osvaldo Alcântara (Cabo Verde)
A
Serenata
Vestida
de gemidos de bordão,
lancinâncias
de violino,
na
noite parada
vem
descendo a seresta.
Sumiu-se
a cidade barulhenta
inimiga
das crianças e dos poetas.
Uma
voz canta sentimentalmente um samba.
Aquele aperto de mão
não foi adeus!
Os
cavaquinhos desmaiam de puro sentimento,
a
cidade morreu lá longe,
e
a lua vem surgindo cor de prata.
Nessa história de amor todos
são iguais,
até o rei volta sua palavra
atrás...
O
meio tom brasileiro deixa interrogativamente a sua nostalgia.
É hora que os poetas
escolheram
para a procura dos seus
mundos perdidos...
Amanhã
a cidade virá novamente
inimiga
dos poetas.
Mas
agora ela dorme,
ela
não sabe que os poetas falam com Nossenhor,
com
a lua e as estrelas,
nesta
hora tão lírica...
Menina
romântica, irmã
das
crianças e dos poetas...
A
tua janela, florida de esperanças,
é
um mistério que a cidade não entende.
Passa
a serenata.
Mas
no coração dos que temem a primeira luz do dia que vai chegar
ficam
os gemidos do violão e do cavaquinho,
vozes
crioulas neste noturno brasileiro
de
Cabo Verde.
*
Ressaca
Venham todas as vozes, todos os
ruídos e todos os gritos
venham os silêncios
compadecidos e também os silêncios satisfeitos;
venham todas as coisas que não
consigo ver na superfície da sociedade dos homens;
venham todas as areias, lodos,
fragmentos de rocha
que a sonda recolhe nos oceanos
navegáveis;
venham os sermões daqueles que
não têm medo do destino das suas palavras
venha a resposta captada por
aqueles que dispõem de aparelhos detetores apropriados;
volte tudo ao ponto de partida,
e venham as odes dos poetas,
casem-se os poetas com a
respiração do mundo;
venham todos de braço dado na
ronda dos pecadores,
que as criaturas se façam
criadores
venha tudo o que sinto que é
verdade
além do círculo embaciado da
vidraça...
Eu estarei de mãos postas, à
espera do tesouro que me vem na onda do mar...
A minha principal certeza é o
chão em que se amachucam os meus joelhos doloridos,
mas todos os que vierem me
encontrarão agitando a minha lanterna de todas as cores
na linha de todas as batalhas.
*
Osvaldo Alcântara
(pseudónimo de Baltasar Lopes da Silva; Caleijão, São Nicolau, Cabo Verde - Lisboa, Portugal; 1907-1989)