Alejandra Lerma (Colômbia)
JAULA
Un pájaro oscuro se me ha metido al pecho
Es ciego
Torpe
Y cristalino
No conoce las ventanas de mi cuerpo
se estrella con recuerdos y sonidos
su aleteo me está dejando sorda
me está dejando muda
y por mis pequeños ojos se va filtrando el aire, la saliva,
la sangre emplumada
quizás me he convertido en jaula
en espejo que engaña
en árbol sin retorno
tal vez el pájaro no existe
y es solo la tristeza
tal vez yo soy el pájaro
y el cuerpo es el tuyo.
*
JAULA
Um
pássaro escuro entrou em meu peito
É
cego
Torpe
E
cristalino
Não
conhece as janelas do meu corpo
refulge
com sons e recordações
o
seu esvoaçar está a deixar-me surda
está
a deixar-me muda
e
pelos meus pequenos olhos vai-se infiltrando o ar, a saliva, o sangue emplumado
talvez
me tenha transformado em jaula
em
espelho que ludibria
em
árvore sem retorno
talvez
o pássaro não exista
e
é só a tristeza
talvez
eu seja o pássaro
e
o corpo o teu.
*
TENGO UNA CICATRIZ
Me la han hecho con un hacha sobre la espalda y el
recuerdo.
Miento, es cicatriz de bala, encontrada por mi cuerpo
¿Alguien la habrá perdido?
No sé a quién regresarla.
Pero no es de bala mi cicatriz, es de vidrio
Un ebrio me ha cortado las entrañas.
Parece de colmillos mi marca,
Como si un perro furioso hubiera mordido un pensamiento.
Sigo mintiendo, la cicatriz es de boca
De amante desesperado y fugitivo.
Pero no, esta señal es de ausencia
La huella de no
ser tocada.
Tengo una marca de vientre oscuro
De llanto, de ternura, de placenta dormida…
Todo es una mentira
No tengo cicatrices
Sigo siendo herida abierta.
*
TENHO UMA CICATRIZ
Fizeram-ma
com um machado sobre a coluna e a lembrança.
Minto,
é cicatriz de bala, encontrada pelo meu corpo
Alguém
tê-la-á perdido?
Não
sei a quem devolvê-la.
Mas
não é de bala a minha cicatriz, é de vidro
Um
bêbado talhou-me as entranhas.
Parece
de caninos a minha marca,
Como
se um cão furioso tivesse mordido um pensamento.
Continuo
a mentir, a cicatriz é de boca
De
amante desesperado e fugitivo.
Mas
não, este sinal é de ausência
O
rasto de não ser tocado.
Tenho
uma marca de ventre escuro
De
choro, de ternura, de placenta adormecida…
Tudo
é uma mentira
Não
tenho cicatrizes
Continuo
a ser ferida aberta.
*
AUTORRETRATO
Existió un tiempo en el que sabía quién era
Conocí las palmas de mis manos y el revés del corazón
Pude enumerar las estrellas que caían en mi vientre
Sentí los temores y las raíces hondas que me iban
creciendo
Pero algo ocurrió
la ceguera me cubrió de blanco
Y dentro de mí ya no hubo más luz
Se hizo la noche
Sin luna ni agua
Me fui quedando sola
Abandoné mi cuerpo y permití que otros transitaran sobre
mí
Dejé que escribieran nombres dentro del mío, hasta que me
fui olvidando de
mis propias palabras
No recordaba la ruta hacia mi centro, todo lo que tenía
eran caminos ajenos
Y así, golpeada por mi propia insensatez
Decidí levantarme
Desandar los dolores
Perdonarme el pecado que no había cometido
Para volver desnuda
Al espejo de mi alma
Sin más inquilinos que mi propia sombra.
*
AUTO-RETRATO
Houve
um tempo em que sabia quem era
Conheci
as palmas das minhas mãos e o reverso do coração
Pude
enumerar as estrelas que caíam sobre o meu ventre
Senti
os temores e as raízes fundas que me iam crescendo
Mas
algo ocorreu
a cegueira cobriu-me de branco
E
dentro de mim já não houve mais luz
Fez-se
a noite
Sem
lua nem água
Fui
ficando só
Abandonei
o meu corpo e permiti que outros transitassem sobre mim
Deixei
que escrevessem nomes dentro do meu, até que me fui esquecendo das
minhas
próprias palavras
Não
recordava qual a rota para o meu centro, tudo o que tinha eram caminhos alheios
E
assim, golpeada pela minha própria insensatez
Decidi
levantar-me
Desandar
com os odores
Perdoar
o pecado que não tinha cometido
Para
voltar nua
Ao
espelho da minha alma
Sem
mais inquilinos que a minha própria sombra.
*
Alejandra Lerma (Cali, Valle del Cauca, Colômbia; 1991)
Tradução: Sandra Santos