Jorge Sousa Braga (Portugal)

acabei agora de comer
um campo de tulipas
não sei o que fazer
com tanta beleza nas tripas

*

a ferida aberta

há uma ferida aberta que
sangra ciclicamente um

cíclame que floresce às
horas mais inapropriadas

quem me dera poder guardar
todos esses milhões de flores

que acabam diariamente em
pensos higiénicos nos contentores

*

sermão da montanha

1.
Cho Oyo
Dhaulagiri
Evereste
Gasherbrum II
Gasherbrum I
Lhotse
Kangchenjunga
Sishma Pangma
K 2
Makalu
Broad Peak
Nanga Parbat
Annapurna

2.
quando chegares ao cimo da montanha
continua a subir

*

sagres

só tenho uma ponta de 
cigarro para fumar 
e para apagá-la: 
todo o mar 

*

strip-tease

quanto mais me dispo
menos nu
me sinto

*

magnólias 

esqueceram-se das folhas
tão grande era a pressa
de florirem

*

poema de amor

esta noite sonhei oferecer-te o anel de Saturno
e quase ia morrendo com o receio de que não 
te coubesse no dedo

*

nem todos os frutos vermelhos
merecem o céu 
da tua boca

*

mais do que uma vez
atravessei a primavera
com os olhos fechados

*

lírio roxo

será este o lírio
que há
no delírio?

*

incubadora

era tão pequena a mão que 
nem o seu dedo mendinho 

conseguia agarrar. pesava 
quinhentos gramas e respirava 

sem ajuda do ventilador 
o coração da sua mãe quase 

que não batia com receio de 
que ele sufocasse sob o peso 
do seu amor 

*










Jorge Sousa Braga 
(Cervães, Vila Verde, Portugal; 1957)

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