Florbela Espanca (Portugal)
CHARNECA EM FLOR
--
O meu impossível
Enche
o meu peito, num encanto mago,
O
frémito das coisas dolorosas...
Sob
as urzes queimadas nascem rosas...
Nos
meus olhos as lágrimas apago...
Anseio!
Asas abertas! O que trago
Em
mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me
as palavras misteriosas
Que
perturbam meu ser como um afago!
E,
nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo
a minha mortalha, o meu burel,
E
já não sou, Amor, Soror Saudade...
Olhos
a arder em êxtases de amor,
Boca
a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou
a charneca rude a abrir em flor!
*
GÁNDARA EN FLOR
Rellena mi pecho,
en un encanto mago,
El frémito de las
cosas dolorosas…
Bajo los urces
quemados nacen rosas…
En mis ojos las lágrimas
apago…
¡Ansío! ¡Alas
abiertas! ¿Lo que traigo
En mí? ¡Escucho
bocas silenciosas
Murmurarme las
palabras misteriosas
¡Que perturban mi
ser como un halago!
Y, en esta fiebre
ansiosa que me invade,
Desnudo mi palio,
mi burel,
Y ya no soy, Amor,
Sóror Saudade…
Ojos ardiendo en
éxtasis de amor,
Boca sabiendo a
sol, a fruto, a miel:
¡Soy la gándara
ruda abriendo en flor!
--
SE TU VIESSES VER-ME...
Se
tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A
essa hora dos mágicos cansaços,
Quando
a noite de manso se avizinha,
E
me prendesses toda nos teus braços...
Quando
me lembra: esse sabor que tinha
A
tua boca... o eco dos teus passos...
O
teu riso de fonte... os teus abraços...
Os
teus beijos... a tua mão na minha...
Se
tu viesses quando, linda e louca,
Traça
as linhas dulcíssimas dum beijo
E
é de seda vermelha e canta e ri
E
é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando
os olhos se me cerram de desejo...
E
os meus braços se estendem para ti...
*
SI TÚ VINIERAS A VERME...
Si tú vinieras a
verme hoy de atardecida,
A la hora de los
mágicos cansancios,
Cuando la noche de
manso se avecina,
Y me prendieras
toda en tus brazos…
Cuando me recuerda:
ese sabor que tenía
Tu boca… el eco de
tus pasos…
Tu risa de fuente…
tus abrazos…
Tus besos… tu mano
en la mía…
Si tu vinieras
cuando, linda y loca,
Traza las líneas
dulcísimas de un beso
Y es de seda roja
y canta y ríe
Y es como un clavo
al sol mi boca…
Cuando los ojos se
me cierran de deseo…
Y mis brazos se
extienden hacia ti…
--
AMAR!
Eu
quero amar, amar perdidamente!
Amar
só por amar: aqui… além…
Mais
Este e Aquele, o Outro e toda a gente…
Amar!
Amar! E não amar ninguém!
Recordar?
Esquecer? Indiferente!…
Prender
ou desprender? É mal? É bem?
Quem
disser que se pode amar alguém
Durante
a vida inteira é porque mente!
Há
uma primavera em cada vida:
É
preciso cantá-la assim florida,
Pois
se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E
se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que
seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder… pra me encontrar…
*
¡AMAR!
¡Yo quiero amar,
amar perdidamente!
Aquí… allá… Amar
sólo por amar
Más a Este y a Aquél,
al Otro y a toda la gente…
¡Amar! ¡Amar! ¡Y
no amar a nadie!
¿Recordar? ¿Olvidar?
¡Indiferente!...
¿Prender o
desprender? ¿Es mal? ¿Es bien?
¡Quién diga que se
pueda amar alguien
Durante la vida
entera es porque miente!
Hay una primavera
en cada vida:
Es necesario
cantarla así florida,
¡Porque si Dios
nos dio voz, fue para cantar!
Y si un día voy a
ser polvo, ceniza y nada
Que sea mi noche
una alborada,
Que
sepa perderme…para encontrarme…
--
O meu impossível
Minh'alma ardente é uma fogueira acesa,
É um brasido enorme a crepitar!
Ânsia de procurar sem encontrar
A chama onde queimar uma incerteza!
Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa
É nada ser perfeito. É deslumbrar
A noite tormentosa até cegar,
E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!...
Aos meus irmãos na dor já disse tudo
E não me compreenderam!... Vão e mudo
Foi tudo o que entendi e o que pressinto...
Mas se eu pudesse a mágoa que em mim chora
Contar, não a chorava como agora,
Irmãos, não a sentia como a sinto!...
--
SER POETA
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
é condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
é condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
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SEM REMÉDIO
Aqueles que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o que
sou...
Não sabem que passou, um dia, a
Dor
À minha porta e, nesse dia,
entrou.
E é desde então que eu sinto
este pavor,
Este frio que anda em mim, e
que gelou
O que de bom me deu Nosso
Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e
onde vou!!
Sinto os passos de Dor, essa
cadência
Que é já tortura infinda, que é
demência!
Que é já vontade doida de
gritar!
E é sempre a mesma mágoa, o
mesmo tédio,
A mesma angústia funda, sem
remédio,
Andando atrás de mim, sem me
largar!
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VAIDADE
Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!
E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho... E não sou nada!
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!
E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho... E não sou nada!
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LÁGRIMAS OCULTAS
Se me ponho a cismar em outras
eras
Em que ri e cantei, em que era
querida,
Parece-me que foi noutras
esferas,
Parece-me que foi numa outra
vida...
E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das
primaveras,
Esbate as linhas graves e
severas
E cai num abandono de
esquecida!
E fico, pensativa, olhando o
vago...
Toma a brandura plácida dum
lago
O meu rosto de monja de
marfim...
E as lágrimas que choro, branca
e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da
alma!
Ninguém as vê cair dentro de
mim!
--
OS MEUS VERSOS
Rasga esses versos que eu te
fiz, Amor!
Deita-os ao nada, ao pó ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!
Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
Que volte ao nada o nada dum momento.
Julguei-me grande pelo sentimento,
E pelo orgulho ainda sou maior!...
Tanto verso já disse o que eu sonhei!
Tantos penaram já o que eu penei!
Asas que passam, todo o mundo as sente...
Rasga os meus versos... Pobre endoidecida!
Como se um grande amor cá nesta vida
Não fosse o mesmo amor de toda a gente!
Deita-os ao nada, ao pó ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!
Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
Que volte ao nada o nada dum momento.
Julguei-me grande pelo sentimento,
E pelo orgulho ainda sou maior!...
Tanto verso já disse o que eu sonhei!
Tantos penaram já o que eu penei!
Asas que passam, todo o mundo as sente...
Rasga os meus versos... Pobre endoidecida!
Como se um grande amor cá nesta vida
Não fosse o mesmo amor de toda a gente!
--
EU
Eu sou a que no mundo anda
perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida ...
Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida ...
Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!
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TORTURA
Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida Verdade, o Sentimento!
- E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!
Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
- E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento...
São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!
Quem me dera encontrar verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!
A lúcida Verdade, o Sentimento!
- E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!
Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
- E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento...
São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!
Quem me dera encontrar verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!
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VOZ QUE SE CALA
Amo as pedras, os astros e o
luar
Que beija as ervas do atalho escuro,
Amo as águas de anil e o doce olhar
Dos animais, divinamente puro.
Amo a hera, que entende a voz do muro
E dos sapos, o brando tilintar
De cristais que se afagam devagar,
E da minha charneca o rosto duro.
Amo todos os sonhos que se calam
De corações que sentem e não falam,
Tudo o que é Infinito e pequenino!
Asa que nos protege a todos nós!
Soluço imenso, eterno, que é a voz
Do nosso grande e mísero Destino!
Que beija as ervas do atalho escuro,
Amo as águas de anil e o doce olhar
Dos animais, divinamente puro.
Amo a hera, que entende a voz do muro
E dos sapos, o brando tilintar
De cristais que se afagam devagar,
E da minha charneca o rosto duro.
Amo todos os sonhos que se calam
De corações que sentem e não falam,
Tudo o que é Infinito e pequenino!
Asa que nos protege a todos nós!
Soluço imenso, eterno, que é a voz
Do nosso grande e mísero Destino!
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VULCÕES
Tudo é frio e gelado. O gume
dum punhal
Não tem a lividez sinistra da montanha
Quando a noite a inunda dum manto sem igual
De neve branca e fria onde o luar se banha.
Não tem a lividez sinistra da montanha
Quando a noite a inunda dum manto sem igual
De neve branca e fria onde o luar se banha.
No entanto que fogo, que lavas,
a montanha
Oculta no seu seio de lividez fatal!
Tudo é quente lá dentro…e que paixão tamanha
A fria neve envolve em seu vestido ideal!
Oculta no seu seio de lividez fatal!
Tudo é quente lá dentro…e que paixão tamanha
A fria neve envolve em seu vestido ideal!
No gelo da indiferença
ocultam-se as paixões
Como no gelo frio do cume da montanha
Se oculta a lava quente do seio dos vulcões…
Como no gelo frio do cume da montanha
Se oculta a lava quente do seio dos vulcões…
Assim quando eu te falo alegre,
friamente,
Sem um tremor de voz, mal sabes tu que estranha
Paixão palpita e ruge em mim doida e fremente!
Sem um tremor de voz, mal sabes tu que estranha
Paixão palpita e ruge em mim doida e fremente!
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AMBICIOSA
Para aqueles fantasmas que
passaram,
Vagabundos a quem jurei amar,
Nunca os meus braços lânguidos traçaram
O vôo dum gesto para os alcançar…
Vagabundos a quem jurei amar,
Nunca os meus braços lânguidos traçaram
O vôo dum gesto para os alcançar…
Se as minhas mãos em garra se
cravaram
Sobre um amor em sangue a palpitar…
– Quantas panteras bárbaras mataram
Só pelo raro gosto de matar!
Sobre um amor em sangue a palpitar…
– Quantas panteras bárbaras mataram
Só pelo raro gosto de matar!
Minha alma é como a pedra
funerária
Erguida na montanha solitária
Interrogando a vibração dos céus!
Erguida na montanha solitária
Interrogando a vibração dos céus!
O amor dum homem? – Terra tão
pisada!
Gota de chuva ao vento baloiçada…
Um homem? – Quando eu sonho o amor dum deus!…
Gota de chuva ao vento baloiçada…
Um homem? – Quando eu sonho o amor dum deus!…
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A FLOR DO SONHO
A Flor do Sonho alvíssima,
divina
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruína.
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruína.
Pende em meu seio a haste
branda e fina.
E não posso entender como é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim!…
Milagre… fantasia… ou talvez, sina…
E não posso entender como é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim!…
Milagre… fantasia… ou talvez, sina…
Ó Flor que em mim nasceste sem
abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?!…
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?!…
Desde que em mim nasceste em
noite calma,
Voou ao longe a asa da minh’alma
E nunca, nunca mais eu me entendi…
Voou ao longe a asa da minh’alma
E nunca, nunca mais eu me entendi…
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A MINHA DOR
A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.
Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal …
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias …
Ao gemer, comovidos, o seu mal …
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias …
A minha Dor é um convento. Há
lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!
Nesse triste convento aonde eu
moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve … ninguém vê … ninguém …
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve … ninguém vê … ninguém …
--
HORA QUE PASSA
Vejo-me triste, abandonada e só
Bem como um cão sem dono e que o procura
Mais pobre e desprezada do que Job
A caminhar na via da amargura!
Bem como um cão sem dono e que o procura
Mais pobre e desprezada do que Job
A caminhar na via da amargura!
Judeu Errante que a ninguém faz
dó!
Minh’alma triste, dolorida, escura,
Minh’alma sem amor é cinza, é pó,
Vaga roubada ao Mar da Desventura!
Minh’alma triste, dolorida, escura,
Minh’alma sem amor é cinza, é pó,
Vaga roubada ao Mar da Desventura!
Que tragédia tão funda no meu
peito!…
Quanta ilusão morrendo que esvoaça!
Quanto sonho a nascer e já desfeito!
Quanta ilusão morrendo que esvoaça!
Quanto sonho a nascer e já desfeito!
Deus! Como é triste a hora
quando morre…
O instante que foge, voa, e passa…
Fiozinho d’água triste… a vida corre…
O instante que foge, voa, e passa…
Fiozinho d’água triste… a vida corre…
--
OS VERSOS QUE TE FIZ
Deixa dizer-te os lindos versos
raros
Que a minha boca tem pra te
dizer!
São talhados em mármore de
Paros
Cinzelados por mim pra te
oferecer.
Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a
arder...
Deixa dizer-te os lindos versos
raros
Que foram feitos pra te
endoidecer!
Mas, meu Amor, eu não tos digo
ainda...
Que a boca da mulher é sempre
linda
Se dentro guarda um verso que
não diz!
Amo-te tanto! E nunca te
beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te
não dei
Guardo os versos mais lindos
que te fiz!
--
SAUDADES
Saudades! Sim... talvez... e
porque não?...
Se o nosso sonho foi tão alto e
forte
Que bem pensara vê-lo até à
morte
Deslumbrar-me de luz o coração!
Esquecer! Para quê?... Ah! como
é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não
importe.
Se ele deixou beleza que
conforte
Deve-nos ser sagrado como pão!
Quantas vezes, Amor, já te
esqueci,
Para mais doidamente me
lembrar,
Mais doidamente me lembrar de
ti!
E quem dera que fosse sempre
assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade andasse presa a
mim!
--
A NOSSA CASA
A nossa casa, Amor, a nossa
casa!
Onte está ela, Amor, que não a
vejo?
Na minha doida fantasia em
brasa
Costrói-a, num instante, o meu
desejo!
Onde está ela, Amor, a nossa
casa,
O bem que neste mundo mais
invejo?
O brando ninho aonde o nosso
beijo
Será mais puro e doce que uma
asa?
Sonho... que eu e tu, dois
pobrezinhos,
Andamos de mãos dadas, nos
caminhos
Duma terra de rosas, num jadim,
Num país de ilusão que nunca
vi...
E que eu moro - tão bom! -
dentro de ti
E tu, ó meu Amor, dentro de
mim...
--
FUMO
Longe de ti são ermos os
caminhos,
Longe de ti não há luar nem
rosas,
Longe de ti há noites
silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem
ninhos!
Meus olhos são dois velhos
pobrezinhos
Perdidos pelas noites
invernosas...
Abertos, sonham mãos
cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de
carinhos!
Os dias são Outonos: choram...
choram...
Há crisântemos roxos que
descoram...
Há murmúrios dolentes de
segredos...
Invoco o nosso sonho! Estendo
os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os
meus dedos!...
--
Florbela Espanca
(Vila Viçosa - Matosinhos, Portugal; 1894-1930)
(Vila Viçosa - Matosinhos, Portugal; 1894-1930)
Traduções: Sandra Santos