LAURA CARRILLO PALACIOS (ESPANHA)


... A fin de cuentas, en la vida todo es imaginario,

menos el Amor.


... No fim de contas, na vida tudo é invenção,

exceto o Amor.

L.C.P


Recuerdo el olor a metal.

Era primavera.

El jardín es el hogar de la serpiente,

– me habían advertido –,

pero yo me sentía a salvo.

Desde la ventana los Dioses eran invocados,

lanzaban confeti de cardamomo

sobre las deformes cabezas de colores.

Hoy Dios es solo Uno,

lo veneran cinco veces

de a poquito,

apenas hay bullicio

pero la fiesta es más grande.



Lembro-me do cheiro a metal.

Era primavera.

O jardim é o lar da serpente,

– tinham-mo avisado –,

mas eu estava a salvo.

Da janela os Deuses eram invocados,

lançavam confetes de cardamomo

sobre as enormes cabeças coloridas.

Hoje Deus é Um só,

veneram-no cinco vezes

bem devagarinho,

quase não há barulho

mas a festa, essa, é bem maior.



*



Nunca he comprendido

por qué dicen que corta es la vida.


Corta la mirada, el alcance, la valentía.

Cortos los sueños, los pasos, los días.

Con intensidad, presencia y alegría

la vida es muy larga,


al menos la mía.



Nunca compreendi

por que é que dizem que a vida é curta.


Curto o olhar, o alcance, a coragem.

Curtos os sonhos, os passos, os dias.

Com intensidade, presença e alegria

a vida é muito comprida,


pelo menos a minha.



*



Dicen los anti poetas

que en la vida todo es imaginario

menos el dolor.

Pero en los momentos más sufridos

donde la ira de mi vientre

me obliga a fantasear

con arrancarme los ojos

despedazar mi esqueleto

licuar la carne de mis muslos

atravesar mi ombligo

con una daga fría,

solo siento la pálida ilusión

de la verdad que se oculta

entre la inmundicia.


A fin de cuentas, en la vida todo es imaginario,

menos el Amor.



Dizem os antipoetas

que na vida tudo é invenção

menos a dor.

Mas nos momentos mais dolorosos

em que a ira estomacal

me faz desejar

arrancar os olhos

despedaçar os ossos

liquefazer os órgãos

trespassar o umbigo

com um punhal frio,

apenas sinto um ténue engano

da verdade que se oculta

entre a imundície.


No fim de contas, na vida tudo é invenção,

exceto o Amor.



*



Ahora sé que no soy nada, corazón,

solo camino.


El camino es Uno y mil formas toma,

como las lunas

de este país que ahora nos guarda.


Nunca hubo más sueños que la almohada.

Nunca vocación,

ni hubo talento.


Tan lento no era el transcurrir

de la rutina.

Ahora tengo lo que tanto desear osaba.


Ni es tan bueno ni es tan malo, compañera

solo es como ser

yo puedo hacer que sea.


Ahora que lo tengo sin tenerlo.

Ahora que acepto no hay destino.

¿Qué me puede deparar otra mañana?

Ahora sé que no soy nada corazón,

más que camino.



Agora sei que não sou nada, coração,

só estrada.


O caminho é Um e mil formas toma,

como as luas

deste país que agora nos guarda.


Nunca houve mais sonhos do que na almofada.

Nem vocação,

nem talento.


Não era assim tão lento o passar

do tempo.

Agora tenho o que tanto almejava.


Não é assim tão bom nem tão mau, companheira,

é só como ser

e eu posso fazer com que seja.


Agora que o tenho sem o ter.

Agora que o aceito não há destino.


Que me poderá brindar uma nova manhã?


Agora sei que não sou nada, coração,

mais do que estrada.






Laura Carrillo (Burgos, 1993) es psicóloga especializada en migraciones. Es autora de los poemarios El Baile de los Girasoles, Las Mil Lunas de Mauritania y Fragor. Ama la escritura desde que descubrió que las palabras sirven para construir mundos donde los dolores del alma convergen y sanan. Ha vivido en Bélgica, Bulgaria y Mauritania. Actualmente, vive enamorada de las luces de Madrid, combinando la psicología, el teatro y la literatura.


Laura Carrillo (Burgos, 1993) é psicóloga especializada em migrações. É autora dos livros de poesia El Baile de los Girasoles, Las Mil Lunas de Mauritania e Fragor. Ama a escrita pois descobriu que através dela pode construir mundos onde as dores de alma convergem e (nos) curam. Já viveu na Bélgica, Bulgária e Mauritania. Atualmente, está apaixonada pela luz de Madrid, conciliando a psicologia com o teatro e a literatura.


Tradução para português de Sandra Santos do livro Fragor, publicado pela editora brasileira Laranja Original, São Paulo, 2022


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