Ondjaki (Angola)


arve jánãoélógica

ser folha é
nem sempre estar para sol.
a outra folha
lém de nossa vizinha
pode ser nossa irmã de sombras.
a folha
enquerendo ser lago
acontinenta o galho.
o galho
ensendo fio de cabelo
gentifica a arve.
a arve
de tanto ser ela
lembra um sorriso quieto.
lém de transpirar
bonito é que ela respira.


*


a garça e as tardes

encontrei uma garça gaga.
atropelava-se a si própria enquanto voava
com isso considerava-se aleijada.
pedi-lhe emprestada a gaguez.

hoje a garça é feliz.

eu ganhei o hábito
de gaguejar tardes.



*


penúltima vivência

quero só
o silêncio da vela.
o afogar-me
na temperatura
da cera
quero só
o silêncio de volta:
infinituar-me
em poros que hajam
num chão de ser cera



*


que língua falam os pássaros
de madrugada
que não a do amor?

escuto a madrugada
– lento manancial de céus.

os pássaros
são mais sabedores.



*


tinha aprendido que era muito importante criar desobjectos.
certa tarde, envolto em tristezas, quis recusar o cinzento. não munido de nenhum artefacto alegre, inventei um espanador de tristezas.
era de difícil manejo – mas funcionava.



*









Ondjaki 
(Luanda, Angola; 1977)


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