June Jordan (EUA)
CHAMO TODAS AS MINORIAS SILENCIADAS
HEY
VÁ LÁ
ANDA LÁ
ESTEJAS ONDE ESTIVERES
NÓS PRECISAMOS DE NOS REUNIR
NESTA ÁRVORE
QUE
NÃO FOI
PLANTADA
AINDA
*
CALLING ON ALL SILENT MINORITIES
HEY
C’MON
COME OUT
WHEREVER YOU ARE
WE NEED TO HAVE THIS MEETING
AT THIS TREE
AIN’ EVEN BEEN
PLANTED
YET
--
POEMA SOBRE OS MEUS DIREITOS
Ainda
esta noite eu preciso de dar uma volta e esclarecer
o
que me vai na cabeça acerca deste poema com o qual eu não consigo
sair
sem mudar a minha roupa os meus sapatos
a
minha postura corporal a minha identidade de género a minha idade
o
meu estatuto de mulher sozinha na noite/
sozinha
nas ruas/ sozinha sem estar no ponto/
o
ponto é que eu não posso fazer o que eu quiser
com
o meu próprio corpo porque eu sou do sexo errado
da
idade errada da cor errada e
suponhamos
que não estivesse aqui na cidade mas sim na praia/
ou
longe no bosque e que quis ir
aí
por minha conta a pensar em Deus/o a pensar
nas
crianças ou a pensar no mundo/tudo isso
revelado
pelo silêncio e pelas estrelas:
Poderia
não ir e poderia não pensar e poderia não
ficar
aí
sozinha
como
eu preciso de estar
sozinha
porque não posso fazer o que quero com o meu próprio
corpo
e
quem
raio pôs as coisas
nestes
termos
e
em França dizem que se o tipo penetra
mas
não ejacula então ele não me violou
e
se depois de apunhalá-lo se depois dos gritos se
depois
de suplicar ao filho da mãe e se mesmo depois de o esmagar
com
um martelo na cabeça se mesmo depois disso se ele
e
os seus amigalhaços depois disso me violarem
então
consenti e não foi
violação
porque finalmente tu entendes finalmente
que
eles violaram-me porque eu estava errada eu estava
outra
vez errada por ser eu sendo eu onde eu estava/errada
por
ser quem sou
exactamente
como a África do Sul
que
penetra a Namíbia que penetra
Angola
e isso quer dizer quero dizer como sabem se
Pretória
ejacula qual será o sinal a provar
a
ejaculação do monstro da bota de cano alto na Blackland
e
se
depois
da Namíbia e se depois de Angola e se depois do Zimbabwe
e
se depois de tudo os meus parentes e as mulheres resistirem até mesmo
a
auto-imolação das povoações e se depois disso
perdermos
mesmo assim que irão dizer os moços irão
pedir-me
o meu consentimento:
Estás
A Seguir-me?: Somos as pessoas erradas
da
cor errada no continente errado
e
por que raio toda a gente é tão razoável
e
segundo o the Times desta semana
em
1966 a CIA decidiu que tinha este problema
e
o problema era um homem chamado Nkrumah pelo que
o
mataram e antes disso foi Patrice Lumumba
e
antes disso foi o meu pai no campus
da
minha escola Ivy League e o meu pai receava
caminhar
até à cafetaria porque dizia que
estava
errada a idade errada a cor errada
a
identidade de género errada e estava a pagar a minha matrícula e
antes
disso
era
o meu pai que dizia que eu estava errada dizendo que
eu
deveria ter nascido rapaz porque ele queria um/um
rapaz
e que deveria ter tido a pele mais clara e
que
deveria ter tido o cabelo mais liso e que
não
deveria gostar tanto de rapazes mas sim
ter
nascido um/rapaz e antes disso
era
a minha mãe que mendigava por uma cirurgia estética para
o
meu nariz e um aparelho para os meus dentes e dizendo-me
que
largasse os livros que os libertasse em outras
palavras
estou
muito familiarizada com os problemas da CIA
e
com os problemas da África do Sul e com os problemas
da Exxon Corporation e com os problemas da
América
branca
em geral e com os problemas dos professores
e
dos pregadores e os do FBI e os dos trabalhadores
sociais
e particularmente da minha Mamã e do meu Papá/ estou muito
familiarizada
com os problemas porque os problemas
vêm
a ser
eu
Eu
sou a história da violação
Eu
sou a história da recusa de quem sou
Eu
sou a história do terrífico encarceramento de
mim
mesma
Eu
sou a história do assalto violento e dos infinitos
exércitos
contra qualquer coisa que queira fazer com a minha mente
e
o meu corpo e a minha alma e
não
importa se se trata de sair à noite
ou
se se trata do amor que eu sinto ou
se
se trata da santidade da minha vagina ou
da
santidade das minhas fronteiras nacionais
ou
da santidade dos meus líderes ou da santidade
de
todos e de cada um dos desejos
que
conheço desde o meu pessoal e idiossincrático
e
infalivelmente sozinho e singular coração
Eu
fui violada
por-
que
estava errada tinha o sexo errado a idade errada
a
cor errada o nariz errado o cabelo errado a
necessidade
errada o sonho errado a geografia
errada
a elegância errada eu
fui
o sentido da violação
fui
o problema que toda a gente procura
eliminar
pela força
da
penetração com ou sem a evidência do muco e/
mas
deixemos que isto seja inequívoco este poema
é
não consentir eu não consinto
à
minha mãe ao meu pai aos professores
ao
FBI à África do Sul ao Bedford-Stuy
ao
Park Avenue à American Airlines aos madraços
nas
esquinas aos arrepios encobertos nos
carros
Eu
não estou errada: Errado não está o meu nome
O
meu nome é meu meu meu
e
não posso dizer-te quem raio pôs as coisas nestes termos
mas
posso dizer-te que de agora em diante a minha resistência
a
minha simples e diária e nocturna auto-determinação
pode
muito bem costar-te a vida.
*
POEM ABOUT MY RIGHTS
Even tonight and I need to take a
walk and clear
my head about this poem about why
I can’t
go out without changing my
clothes my shoes
my body posture my gender
identity my age
my status as a woman alone in the
evening/
alone on the streets/alone not
being the point/
the point being that I can’t do
what I want
to do with my own body because I
am the wrong
sex the wrong age the wrong skin
and
suppose it was not here in the
city but down on the beach/
or far into the woods and I
wanted to go
there by myself thinking about
God/or thinking
about children or thinking about
the world/all of it
disclosed by the stars and the
silence:
I could not go and I could not
think and I could not
stay there
alone
as I need to be
alone because I can’t do what I
want to do with my own
body and
who in the hell set things
up
like this
and in France they say if the guy
penetrates
but does not ejaculate then he
did not rape me
and if after stabbing him if
after screams if
after begging the bastard and if
even after smashing
a hammer to his head if even
after that if he
and his buddies fuck me after
that
then I consented and there
was
no rape because finally you
understand finally
they fucked me over because I was
wrong I was
wrong again to be me being me
where I was/wrong
to be who I am
which is exactly like South
Africa
penetrating into Namibia
penetrating into
Angola and does that mean I mean
how do you know if
Pretoria ejaculates what will the
evidence look like the
proof of the monster jackboot
ejaculation on Blackland
and if
after Namibia and if after Angola
and if after Zimbabwe
and if after all of my kinsmen
and women resist even to
self-immolation of the villages
and if after that
we lose nevertheless what will the
big boys say will they
claim my consent:
Do You Follow Me: We are the
wrong people of
the wrong skin on the wrong
continent and what
in the hell is everybody being
reasonable about
and according to the Times this
week
back in 1966 the C.I.A. decided
that they had this problem
and the problem was a man named
Nkrumah so they
killed him and before that it was
Patrice Lumumba
and before that it was my father
on the campus
of my Ivy League school and my
father afraid
to walk into the cafeteria
because he said he
was wrong the wrong age the wrong
skin the wrong
gender identity and he was paying
my tuition and
before that
it was my father saying I was
wrong saying that
I should have been a boy because
he wanted one/a
boy and that I should have been
lighter skinned and
that I should have had straighter
hair and that
I should not be so boy crazy but
instead I should
just be one/a boy and before
that
it was my mother pleading plastic
surgery for
my nose and braces for my teeth
and telling me
to let the books loose to let
them loose in other
words
I am very familiar with the
problems of the C.I.A.
and the problems of South Africa
and the problems
of Exxon Corporation and the
problems of white
America in general and the
problems of the teachers
and the preachers and the F.B.I.
and the social
workers and my particular Mom and
Dad/I am very
familiar with the problems
because the problems
turn out to be
me
I am the history of
rape
I am the history of the rejection
of who I am
I am the history of the
terrorized incarceration of
myself
I am the history of battery
assault and limitless
armies against whatever I want to
do with my mind
and my body and my soul
and
whether it’s about walking out at
night
or whether it’s about the love
that I feel or
whether it’s about the sanctity
of my vagina or
the sanctity of my national
boundaries
or the sanctity of my leaders or
the sanctity
of each and every
desire
that I know from my personal and
idiosyncratic
and indisputably single and
singular heart
I have been
raped
be-
cause I have been wrong the wrong
sex the wrong age
the wrong skin the wrong nose the
wrong hair the
wrong need the wrong dream the
wrong geographic
the wrong sartorial
I
I have been the meaning of
rape
I have been the problem everyone
seeks to
eliminate by
forced
penetration with or without the
evidence of slime and/
but let this be unmistakable this
poem
is not consent I do not
consent
to my mother to my father to the
teachers to
the F.B.I. to South Africa to
Bedford-Stuy
to Park Avenue to American
Airlines to the Hardon
idlers on the corners to the
sneaky creeps in
cars
I am not wrong: Wrong is not my
name
My name is my own my own my
own
and I can’t tell you who the hell
set things up like this
but I can tell you that from now
on my resistance
my simple and daily and nightly
self-determination
may very well cost you your life
--
June Jordan
(1936 - 2002, Harlem, Nova Iorque - Berkeley, Califórnia; EUA)
Tradução de Sandra Santos