Álvaro Hernando (Espanha)
Ex-Cravo
Escravos do homem. Escravos do tempo. Escravos do medo. Escravos do que possuímos. Cravados a uma pessoa, cravados a um momento, cravados à precaução, ao temor, ao apelido ou à propriedade. Só conheço a liberdade quando quebro o medo, o amor, o tempo e o lar. E essa liberdade dura um instante, ou, então, de maneira eterna e irreversível, a ti atado. Por isso, este livro, porque eu conheço aquilo que me ata e me faz ExCravo. Bem-vindos a este Fio de Ariadne.
- Álvaro Hernando Freile, 2016
Abaixo, cinco poemas do autor espanhol com tradução para o português de Sandra Santos.
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O Ex-Cravo
As pequenas escravidões,
ou cravados à desculpa
Vejo-me atado a mim mesmo
cravado a tristezas ridículas,
a um exame suspenso,
ou a uma espera prolongada,
ou a uma desculpa banal;
cravado a algo que me deveria
causar surpresa,
riso, gargalhada, nada.
Mas há um cravo,
auto-compaixão,
forjado por anos de má-criação e preguiça
que me fixa a um momento malgasto.
Quando é que esse cravo se tornará cicatriz e lembrança?
Quero ser ex-cravo liberto
que desata nós de madeira.
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Parto do pó
A escravidão da morte,
ou o vento que parte a vela.
O pó devorará a minha carne
esvaziarei o espaço ocupado
perderei a sombra
negarei uma verdade,
não verás livre
do seu cárcere de tempo
o meu esqueleto,
nem me verás pari-lo
quando morra.
Serei pó sem sombra,
nem ruído.
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Ladram
Acorrentados à indiferença
Os latidos, os latidos, os latidos
ressoam, de cães torturados,
na minha cabeça, no meu estômago revolto.
Os latidos, os latidos
e as mordeduras nos seus corpos
e os gusanos que os comem.
São tantos os latidos que comem o eco.
Ninguém os vê, ninguém os ouve, ninguém lhes dá contos,
nem poemas, a eles,
os cães sem carne, só osso
e latido.
***
A guarida
A escravidão do sentido
ou uma missão na vida
Estou a pensar nos versos do Minotauro;
continuam escritos, rasgados pela haste,
nos muros húmidos do labirinto.
Penso neles. Interessa-me a sua história
e percorro-os com a gema dos dedos,
para não perder o fio que conduz à minha decapitação.
Sou mais um Minotauro, que um Teseu,
mais a hybris que as velas negras.
***
Ex-Cravo
A libertação
ou amar-se na pena
Aqui cheguei
até aqui, soberano,
agrilhoado
ao meu sonhar livre
ardo
libertando os nós da madeira do álamo
***
Álvaro Hernando Freile (Madrid, Espanha, 1971)
Professor e antropólogo, especializado em investigação da linguagem. Autor do livro de poesia publicado em Chicago, em 2016, «Mantras para bailar» (Ed. Pandora Lobo Estepario). Esta mesma editora está a preparar os volumes já concluídos de poesia: «Chicago Express» (2017) e «Geografía del Alma». Recebeu o prémio Poesía en Abril 2018 no âmbito do Festival Internacional de Poesia de Chicago. Durante o seu percurso pelo jornalismo, dirigiu e apresentou vários programas de rádio em que a literatura desempenhava um papel especial («Cómo decirte, cómo contarte», «Este perro mundo»), colaborando, além disso, em diferentes meios, incluindo-se aqui a publicação de poemas e relatos em diferentes revistas. Participou em várias obras interdisciplinares, destacando-se a peça musical contemporânea Leaving the confort zone, do compositor Enric Riu (Chicago, 2015), em que é usado o seu poema «Gruta». Alguns dos seus trabalhos foram traduzidos para o polaco, romeno, búlgaro, inglês, francês e português.