Poemas de António Gancho



PRISÃO

Tu tinhas uma nascença que era uma prisão
uma certeza de estar concreto e unido
com a matéria de pedra
Que era uma tua sedimentação de vida
uma tua construção de movimentos a sair das grades
Era rico em Sol o teu peito de grades
concreto e unido sedimentavas dias de espera
duma letra que te abrisse os instintos para
falares de nada.
Era uma certeza de tu estares unido como uma raiz de mesa própria
uma certeza de estares virado para um
nascente de inconcretidade material
tinhas uma mão de peça de artilharia
de disparares para fora o conteúdo dos dias com
raiz de mesa própria
Eras um sol a nascer-te no sítio da grade
onde se punham ramos de quinta-feira de campo.
Tinhas uma natureza de estares sentado
Sobre uma cadeira que era a tua
esperança de estares unido com a nascença do movimento.
Tinhas um cantarem-te os cabelos no dia de dentro
um ser-te uma mágica a fusão de
olhar com a dimensão de esperança fora.
Eras-te igual à matéria da tua animação de selva
íntima
igual ao cantar-te seródio o tempo de pendular
na cabeça
Conhecias uma esperança de cortares os cabelos com uma
navalha de vento
mas era tua inspiração de um modo interior de vida.
Criavas um espaço aberto na clareira duma grade
que era um espaço celeste a cobrir de grego o cimento
Tu tinhas uma invenção de disparares saúde de dias
por fora da mão
Tu tinhas uma sensação absoluta de estares aberto com o espaço
duma grade
tinhas um ser-te grave o olhar para fora do dia
inaugurado de verde
Que se te abrisse a letra
era desejo de teres fonemas no nada de uma mão aberta
sem um rogar de branco.
O sol aberto em sentido de alusão a uma palavra de ti
era nada de o poente estar no sentido inverso.



*



MÚSICA

A música vinha duma mansidão de consciência
era como que uma cadeira sentada sem
um não falar de coisa alguma com a palavra por baixo
nada fazia prever que o vento fosse de azul para cima
e que a pose uma nostalgia de movimento deambulante
era-se como se tudo por cima duma vontade de fazer uma asa
nós não movimentamos o espaço mas a vida erege a cifra
constrói por dentro um vocábulo sem se saber
como o que será
era um sinal que vinha duma atmosfera simplificante
silêncio como um pássaro caído a falar do comprimento.



*


A ESTRADA

A estrada cumprimentava de vivas a manhã
abria-se a claridade do dia
a noção era consequência de uma ave marinha
não se esquece as coisas que o coração compõe
com igualdade diária
por a estrada por onde nós viajamos há sinais
de brilho
uma nave inunda o sentimento do corpo
para que tudo nos seja dimanado do
anúncio do tédio
Quanto tempo passou que nós estamos à
espera que tudo nos seja propício para
que a razão alimente o vício do ar e do
céu azul
tudo por nós era uma recordação heterogénea
aqui um sinal grave
se era uma papoila abria-se o mar à nossa frente
a nostalgia duma pálpebra aberta no silêncio da noite
por nós o que o tempo lamentava de sonoramente vivido
o que de nós esperou a terna manhã
cumprida como um jamais não haver minutos
o que em nós havia de tudo estar à espera
de que se abrisse um sinal para reflectir
tudo o que havia de solícito era dado por um
não haver mais grandiloquência no que se fosse contar
estar antes era estar à espera de que tudo acontecesse
secretamente para que nada mais houvesse de imanente no fundo
ah é dizer que o tempo não esconde um prurido de que tu
também fosses igual
a estrada andante é caminhar
nós vamos tu és uma noção grande e enorme do vento
perguntas pelo tédio e não há nada igual a isso
por onde caminhar é a pergunta aberta
somos o que fomos sempre
iguais à hora ao minuto
tu comandavas eu ficava era eterno
como o destino de te ver caminhar
uma asa afastava uma intenção
era grave a hora para que tivéssemos para contar
o que fosse de extraordinariamente movido
não se indica mais nada
uma mão aberta fala uma linguagem austera.



*


HOMOSSEM

A noite vinha com umas mãos curvas de milagre
eram mãos tuas eram mãos minhas curvas de milagre
tu eras um holofote azul de dirigires alucinações
de prazer cor-de-rosa
tu eras uma flutuação constante de penumbra e surpresa
era um corpo de admiração e sublime
eras garbo da tua idade já nocturna para o pecado
tinhas uma mão que fazia regressar o espaço
por onde puxavas o amor
eras um corpo suave de admiração e sublime
um requinte de trazeres intenções pelo fato
tinhas um casaco especial de convidar uma visita
uma surpresa emancipava-te a vontade do queixo
não esqueço uma tua boca de construção de virtudes
porque beijavas onde o símbolo requeria
havia-te casa pelo convite da mão
eu sabia que a tua palma tinha um rio que fazia estalar
o medo
era a sedução de tu meditares longamente sobre quem te fosse
mais próximo
e nascia um horizonte duma maneira do teu olhar
Fazias o espaço ser-te magia de convite
convidavas uma semente de ir lá
porque não se falava no que se ia saber
nós tínhamos um conforto de destino próximo e azul
que era a manhã de tu fazeres desaparecer o medo do rio
Não íamos quebrar fauna pelos bosques
íamos sair ao concreto do tempo
por onde tu erigisses catedrais de
inauguração sentimental
Era um amor que tinhas
era inauguração dum desejo
o medo do rio que tinha uma manhã por dentro
era tudo tão diferente e admirado de nós
a maneira das coisas nos olharem por cima do dia
como o que fosse diferente de imaginar
Nada acontecia
Tu eras um holofote azul de construíres
alucinações de meio-dia cor-de-rosa.


*




António Gancho
(Évora - Sintra; Portugal; 1940-2006)

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